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🎬 Fahrenheit 451


" Fahrenheit 451” pode entreter por sua premissa interessante – o que é mérito única e exclusivamente do livro, claro -, mas é um filme autoindulgente, que se contenta com pouco e nada arrisca para ir além de uma adaptação enlatada da obra de Ray Bradbury. Mais parece uma das muitas obras genéricas produzidas pela Netflix. Enquanto os personagens queimam livros, a HBO queima seu dinheiro em uma adaptação sem propósito e que abraça elementos de outras ficções científicas de forma genérica.

Adaptação da obra de Ray Bradbury é uma amálgama de ideias de outras ficções científicas, mas sem nenhum traço de originalidade."

(Fonte: B9.com.br/Matheus Fiore)



14/07/2018


Um futuro em um estado totalitário, onde os livros são abolidos e queimados. Um Bombeiro as avessas, que queima livros irá mudar de lado e compreender o sentido do pensamento livre, mas a solução de colocar milhares de livros no DNA é bastante fantasiosa.


Na história, ambientada nos EUA de um futuro sombrio, os livros são considerados uma ameaça à ordem e foram proibidos pelo governo, que controla todos os meios de informação. Os bombeiros na verdade não apagam incêndios – a função deles é encontrar e queimar livros, pois eles, e o conhecimento contido neles, são banidos na sociedade.Como todas as distopias, o livro de Bradbury é um alerta, e surpreendentemente, passível de uma adaptação para nossos tempos atuais. Afinal, vivemos na época em que cada um acredita no que quer, conhecimento científico muitas vezes é visto como passível de questionamento, e onde muita gente dá mais valor às distrações do dia-a-dia do que às obras de arte já produzidas pela humanidade.

Guy Montag, vivido por Michael B. Jordan, é um dos bombeiros mais eficientes de sua corporação, comandada por Beatty (Shannon). Montag começa a questionar o mundo em que vive após entrar em contato com uma rebelde, Clarisse (Sofia Boutella), que faz parte da resistência contra o autoritarismo.

Veja a resenha do livro aqui 📖

Adaptar Fahrenheit 451 para o contexto atual, mesmo um em que o livro como entidade física já não tem mais tanta importância é um desafio. Por isso mesmo, é uma pena constatar que Fahrenheit 451 - filme da HBO - seja tão inconstante. Os roteiristas Ramin Bahrani e Amir Naderi às vezes até acertam o alvo na adaptação, porém erram com frequência ao inventar coisas novas para a história. Para quem leu o livro, ou até mesmo conhece a versão anterior filmada, dirigida por François Truffaut em 1966, a sensação mais constante durante boa parte do filme é de frustração.



Cria-se no mundo do novo “Fahrenheit 451” uma alegoria para a alienação causada pelo vício nas redes sociais


É inevitável a comparação com o que estamos vivendo nos dias atuais, com as notícias falsas e superexposições nas redes sociais. O filme mostra que há distorções históricas nessa realidade: é difundido que Benjamin Franklin foi o primeiro bombeiro a queimar livros e que a noção de que eles, na realidade, serviam para apagar incêndios é uma mentira inventada pelos rebeldes. Painéis de led transmitem 24 horas por dia a incineração de exemplares físicos e e-books, enquanto internautas podem curtir e “mandar corações” para as ações dos oficiais da lei. Existe também uma assistente pessoal eletrônica que reage a comandos de voz. Não há como não suspeitar de que ela é uma espiã do governo.

A produção da HBO traz Michael B. Jordan – também um dos produtores do filme – como Montag, bombeiro em ascensão no departamento, e que vive num país que passou por uma segunda guerra civil, onde os cidadãos são meio que vigiados por uma inteligência artificial e as queimas de livros são espetáculos transmitidos pela mídia a serviço do Estado. Existem rebeldes, claro, e com o tempo Montag começa a ver com outros olhos a sua profissão. Ele conhece a rebelde Clarice (Sofia Boutella) e começa a ler alguns dos livros que antes queimava. Com o tempo, sua mudança o coloca em confronto com o Capitão Beatty (Michael Shannon), o chefe do departamento.

Michael B. Jordan e Michael Shannon entregam ótimas atuações, com personagens perturbados, mas rasos. O filme levanta várias questões sobre eles, mas não as responde, deixando espaço para uma história de um grupo de rebeldes chato, piegas, com um discurso já batido, que conhecemos de milhares de outras obras com a mesma temática. O filme cai na armadilha de dar a entender que toda tecnologia é ruim. 

Uma adaptação sem propósito e que abraça elementos de outras ficções científicas de forma genérica

O personagem principal, aliás, que deveria ser o mais atuante na obra, passa boa parte da projeção fazendo perguntas ou recebendo ordens. É um protagonista demasiadamente reativo e pouco ativo. Guy não parece seguir uma lógica em suas atitudes, fazendo sempre o que lhe é sugerido, seja por seu chefe ou pelos rebeldes que tentam destruir o sistema político que comanda aquele mundo. Pior ainda é constatar que o filme precisa de subterfúgios muito simples para plantar a dúvida sobre seu trabalho na mente do protagonista. Guy muda de ideia com a mesma facilidade com que queima livros: apenas uma pergunta feita por outra personagem é capaz de faze-lo questionar toda a realidade.



O grande problema da obra é não saber amarrar seus temas à jornada do protagonista



O grande problema da obra é não saber amarrar seus temas à jornada do protagonista. Montag é um personagem extremamente superficial, tanto por culpa do roteiro quanto pela atuação de Michael B. Jordan. Seu interesse pela criminosa vivida por Sofia Boutella, por exemplo, só existe quando seu chefe, de forma explícita, diz para ele “manter seu pênis dentro da calça”. Não há, portanto, uma naturalidade no desenvolvimento da relação entre os dois personagens. Mais parece um esforço do texto para amarrar núcleos do que um amor genuíno. Já B. Jordan poucas emoções exprime por meio de sua atuação: não há raiva ou medo em sequer um momento do filme, apenas uma feição uniforme que torna seu personagem frio.

Outra relação que poderia ser importante no aprofundamento da psique de Guy Montag é a relação com seu pai. Vemos apenas flashbacks rápidos nos quais Montag recorda dos últimos suspiros de seu pai, mas não há diálogos suficientes para cimentar essa relação ou sequer alguma conexão entre o histórico familiar do protagonista e suas escolhas no presente. Guy é sempre um personagem satisfeito com informações incompletas, o que faz com que a morte de seu pai não tenha peso algum. Seu desconhecimento acerca do passado de seu familiar deveria ser acompanhado por uma enorme sede por este conhecimento – o que poderia, inclusive, ser o elo de ligação entre o personagem e os livros: o desejo por estudo sobre o passado. 

O roteiro acaba pecando quando força alguns diálogos que, tirados do contexto do nosso cotidiano, ficam cômicos. Temos que imaginar que, nessa realidade, ler um romance clássico é o mesmo que injetar heroína, então, quando os rebeldes percebem que foram descobertos, eles dizem: “Vai, esconde o Shakespeare, rápido! Salve o que puder!”. Fale a verdade! Isso parece ridículo ou hilário? 

No filme, a transição do protagonista, de queimador oficial – logo no início do filme até o vemos falando, entusiasmado sobre seu trabalho, para crianças numa escola – a membro da resistência é muito brusca. O roteiro, por algum motivo, cortou a personagem da alienada esposa de Montag, que no livro ajuda a tornar essa transição mais crível. Jordan é muito bom ator, mas não faz milagre, e acaba levando o filme nas costas mais pelo carisma do que pelo nosso interesse no seu personagem.

Outro problema do roteiro é que, aparentemente na tentativa de dar mais dimensão ao Capitão Beatty, os cineastas incutiram nele também um fascínio além da conta pela palavra escrita, a qual chama de “grafite” – ora, se até o antagonista da história foi um pouco conquistado pela literatura, isso erode o esforço do protagonista e até deixa o filme perto de minar sua própria premissa. É preciso andar numa linha fina com esse personagem, o que Truffaut fez de maneira exemplar na sua versão de 1966, mas no Fahrenheit 451, de 2018 isso se torna até mais complicado com Michael Shannon, fazendo mais um vilão na carreira e repetindo alguns trejeitos que já vimos antes. 


A partir de certo ponto da história, um dispositivo codificado em DNA passa a ser muito importante para a narrativa, e há várias referencias às redes sociais – é possível dar “likes” na hora em que um bombeiro atira fogo numa pilha de livros. Afinal, um dos lemas dos bombeiros é “Vamos queimar pela América de novo”… Às vezes o filme acerta nessas ideias, às vezes a falta de sutileza é decepcionante – imagens das fogueiras sendo transmitidas nas laterais dos arranha-céus eram tão rotineira que tornaram-se exageradas.


O escritor Ray Bradbury é um nome forte quando se trata de uma fatia muito específica da ficção científica, aquela que finge que está falando do futuro quando, na verdade, está fazendo várias analogias sobre o presente. O autor, que morreu em 2012, é mundialmente conhecido pela obra Fahrenheit 451, publicada em 1953 e levada ao cinema em 1966 pelo diretor François Truffaut. 

A produção de 2018 ( HBO ), chama ainda mais atenção quando atores como Michael Shannon, do vencedor do Oscar de Melhor Filme A Forma da Água, e Michael B. Jordan, de Pantera Negra e Creed, encarnam os personagens principais da distopia.

O resultado é um filme que não chega a ficar completamente ruim – embora possua momentos ruins. o ano 2018, é propício para um novo Fahrenheit 451, pois o livro de Ray Bradbury e sua alegoria do futuro continuam poderosos, mesmo com todas as mudanças sociais e tecnológicas que tivemos desde a sua publicação. Mas o resultado desta produção da HBO é um filme desajeitado e que desperdiça um bom potencial. 


A estética futurista é algo de se admirar. Com câmeras olho de peixe e uso de drones, Fahrenheit 451 é majoritariamente noturno. As cenas dentro do quartel, com apenas luzes vermelhas, passam uma sensação de que estamos no futuro e, ao mesmo tempo, fomos jogado na Alemanha nazista. Os prédios, com as propagandas do governo que se confundem com frases de bem-estar, lembram Blade Runner, ainda mais porque a ideia de que o futuro provavelmente não vai ser bom é algo que o filme de Ridley Scott já tinha trabalhado.

Infelizmente, a história fica confusa, no fim das contas. Por mais bem intencionados que os personagens pareçam, fica difícil torcer por eles. Talvez a plástica do mundo criado para o telefilme e a ideia do futuro distópico sejam mais legais do que a trama em si, que é sem ação, moralista e com conceitos que passam por um processo de esgotamento, recentemente. Diferente dos livros queimados à 451° Fahrenheit (ou 232°C), o filme não pega fogo.


FICHA TÉCNICA

Título Original: Fahrenheit 451
Elenco:  Michael B. Jordan, Michael Shannon, Sofia Boutella, Lilly Singh, Aaron Davis, Cindy Katz, entre outros
Duração: 1h 40min
Direção: Ramin Bahrani
Classificação: Não recomendado para menores de 12 anos


Assista ao trailler oficial (legendado) 📽





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