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Elis e eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe




26/01/2020


Um livro sobre o amor, a saudade e a infância, esse é Elis e Eu, o relato pessoal de João Marcello Bôscoli, filho mais velho da Pimentinha que perdeu a mãe de modo prematuro e trágico em 1982.

A história, contada pelo agora homem, é permeada de uma série de flashbacks íntimos da infância ao lado da mãe, do pai, do padrasto e dos dois irmãos.

A obra do primogênito Bôscoli nos mostra uma faceta de uma das maiores cantoras do Brasil que nunca tivemos a oportunidade de conhecer. Saudosista, o livro também não deixa de ser duro quanto é preciso: o pequeno João testemunha ao longo das páginas a degradação da mãe, o seu sofrimento e as festas em casa regadas a muito álcool e droga.

O livro conta ainda com o prefácio de Rita Lee, que testemunhou de perto esse lado familiar de Elis Regina (1945-1982).

Se você gosta da cantora continue lendo!



Você lembra da sua Mãe?

Escuto essa pergunta há muitos anos. E quase sempre em situações corridas do dia a dia, sem muito espaço pra responder. Então resolvi escrever tudo ao alcance da minha memória e compartilhar como se cada leitor ou leitora fosse um amigo ou amiga com quem tenho intimidade e tempo.

Não houve pesquisa externa, consultas biográficas ou conversas; apenas minhas lembranças. Dos primeiros anos há imagens, passagens, sensações. Com meu crescimento, vêm curtas-metragens mentais, diálogos mais longos.

Elis Regina é a parte pública da minha Mãe, uma de suas faces. Embora suas entrevistas e canções iluminem muitas coisas, o olhar de uma criança, de um filho, durante 11 anos, 6 meses e 2 dias podem revelar outros contornos da mulher que me deu a vida, da mulher que é o amor da minha vida. E o amor, que aprendi com Ela, é a única força realmente transformadora. Amo ser filho da minha Mãe."

- João Marcello Bôscoli, autor/filho de Elis Regina


A história de amor de uma mãe contada pelos olhos afetuosos de seu filho João Marcello Bôscoli, é narrada de forma pontual por flashes da infância feliz.

No livro, o filho mais velho de Elis Regina revive os efeitos do furacão que devastou a família com a morte da cantora em 1982. Vale destacar também, o lindo prefácio feito por sua amiga Rita Lee. Veja o trecho abaixo:

Essa senhora cantora "pediu pelas mulheres e pelos filhos" com a grandeza exposta na veia poética de Ana Terra, letrista e parceira de Joyce Moreno na canção de 1979, Essa mulher, que deu nome ao álbum lançado por Elis naquele ano, soando como sensível retrato feminino da artista.

Essa mulher por vezes se permitiu ser menina no trato com os três filhos sem deixar de ser a leoa zelosa e cobradora da conduta ética das crias que lambia com a mesma intensidade com que as castigava se detectava algum deslize de comportamento.


Os quatro primeiros capítulos – do total de 15 que compõem narrativa sucinta que inclui introdução e posfácio, além de carta de Elis para o filho – são os mais impactantes do livro Elis e eu porque, neles, Bôscoli narra os bastidores dos últimos dias de Elis e a sensação de isolamento físico e emocional do filho mais velho após a precoce saída de cena da mãe, vítima aos 36 anos de combinação letal de cinzano e cocaína.

São doses fortes que dão no leitor um choque de realidade quando Bôscoli descreve os ruídos de festa na casa de Elis com idas frequentes dos convidados ao banheiro para "inalações rápidas", como descreve o autor. Sim, Elis já estava na roda em 1981, embora tivesse tido (sincera) aversão às drogas ao longo de quase toda a vida breve.

Para Bôscoli, a bad trip começou com a morte de Elis e com o imediato desmonte do circo armado em torno da cantora por bajuladores e aproveitadores que, tão logo Elis partiu, cortaram a corrente afetuosa que mantinham hipocritamente com aquele pré-adolescente que ainda não sabia toda a dor e da delícia de ser filho de Elis Regina.


Contudo, a maior parte do livro expõe as memórias afetivas da infância de Bôscoli com a mãe assim que se encerra a descrição da realidade nua e crua descortinada para um menino de 11 anos que se viu subitamente sem teto e sem vontade de morar com o pai, Ronaldo Bôscoli (1928 – 1994), de quem foi mantido à distância por imposição da mãe.

Aliás, o entendimento da cantora com o ex-marido a respeito do filho aconteceu somente em 1981, tardiamente mas ainda em tempo de selar a paz, como relata João Marcello em outra passagem tocante do livro.

A rigor, já existem duas biografias substanciais sobre a vida vertiginosa dessa senhora cantora e mãe, Furacão Elis (1985) e Elis Regina – Nada será como antes (2015), lançada pelo jornalista Julio Maria 30 anos após o relato apaixonado de Regina Echeverria.

A existência dessas duas biografias jamais tira o valor de Elis e eu porque o livro de João Marcello Bôscoli não se prende a datas e a dados cronológicos. É relato íntimo e pessoal de quem foi privilegiada testemunha ocular de parte da história de Elis.

O livro expõe a visão de quem conviveu com a cantora e a mãe no espaço privado da intimidade familiar, longe das câmeras. E que por isso mesmo percebeu a grandeza do sempre afetuoso padrasto, César Camargo Mariano, quando o furacão da morte devastou a vida da família em 19 de janeiro de 1982.

Desse quadro familiar retratado no livro, inclusive com fotos raras, importam menos as descrições das travessuras infanto-juvenis do menino João e mais as ações e reações de Elis diante das traquinagens do filho.

É quando aparece nas páginas do livro a mãe-leoa que, para repreender molecagem do filho, não hesitou em fazer João dormir no corredor do prédio em que morava. E que, mesmo sem travessura, decidiu mandá-lo para escola pública para tomar contato com a realidade de um Brasil que sente fome e frio.

É nesse sentido que Elis e eu – 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe toca o leitor ao convidá-lo a adentrar a intimidade de casa em que o amor de mãe era o alimento primordial. Alimento que sustenta o livro quando a narrativa de João Marcello Bôscoli perde o impacto inicial. 


FICHA TÉCNICA:

Título: Elis e eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe
Autor: João Marcello Bôscoli
Editora: Planeta; Edição: 1 (30 de outubro de 2019)




BÔNUS


Existem vários livros referente a biografias da cantora Elis Regina, mas confesso que apesar de ser fã desse ícone da MPB, a única biografia que me interessei em ler foi esta, escrita por seu filho João Bôscoli.

Resolvi fazer um pequeno resumo sobre sua vida (não contada ou não em detalhes no livro Elis e Eu ) e falar um pouco sobre suas obras. Veja os detalhes da vida e da carreira dessa mulher brilhante, que é considerada a maior cantora da MPB.


Elis Regina: Vida e Obra 



Elis Regina de Carvalho Costa (17 de março de 1945 - 19 de janeiro de 1982).  Elis Regina nasceu na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, seus pais eram Romeu Costa e Ercy Carvalho. Foi uma cantora de enorme sucesso no Brasil. Reconhecida por muitos como a maior intérprete do país, ela trouxe vitalidade, emoção e expressividade para o cenário musical nos anos 60 e 70.

Elis descobriu a música muito cedo em sua vida, começando a carreira aos onze anos, em 1956. Foi nessa época que entrou para um programa da Rádio Farroupilha, em Porto Alegre. A atração se chamava O clube do guri, era comandada por Ari Rego e voltada para o público infantil.

Mais tarde, em 1960, a cantora ingressa na Rádio Gaúcha e, no ano seguinte, tem seu primeiro álbum lançado. Intitulado Viva a Brotolândia, o LP foi feito quando ela tinha dezesseis anos.


Elis fez importantes parcerias na música e foi responsável por revelar grandes compositores.

Segundo consta, alguns dos responsáveis pelo lançamento de Elis foram Wilson Rodrigues Poso, funcionário da gravadora Continental, e Walter Silva, produtor musical e jornalista.

Ainda no Rio Grande do Sul, Elis lançou outros discos, até que em 1964 já estava realizando muitos shows no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesse ano, foi convidada a integrar o programa Noite de Gala. Lá, conhece Ciro Monteiro, que apresentava o quadro e depois se tornaria seu primeiro parceiro musical na TV.

Ainda em 1964, Elis fixa residência na cidade de São Paulo e passa a se apresentar no Beco das Garrafas onde conhece Luís Carlos Mieli, produtor musical, e Ronaldo Bôscoli, figuras importantes em sua trajetória. Em 1967, Elis casa-se com Bôscoli.

Em 1965, a cantora participa e vence o I Festival de Música Popular Brasileira, realizado pela TV Excelsior, onde canta Arrastão, música de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, que a apelidou carinhosamente de "Pimentinha".

Ainda nesse ano, compõe Triste amor que vai morrer, única música de sua autoria, feita em parceria com Walter Silva e gravada em 1966 por Toquinho, apenas instrumentalmente.

Apresentou ao lado do cantor Jair Rodrigues o quadro O fino da Bossa, na TV Record, entre 1965 e 1967, onde lançou o álbum O dois na Bossa, tornando-se recorde de vendas.

Os anos seguintes foram dedicados à sua evolução técnica e vocal, foi também quando Elis passa a ser conhecida internacionalmente.

Em 1974, lança em parceria com Tom Jobim o célebre disco Elis e Tom. Em 1976 é a vez do disco Falso Brilhante, fruto do espetáculo homônimo, feito em parceria com Myriam Muniz e César Camargo Mariano, com quem esteve casada por 8 anos. Muitos outros álbuns foram lançados pela cantora durante sua carreira.

Nessa época, a Pimentinha iniciou uma ruptura com a indústria fonográfica. Ele desejava ter mais liberdade criativa e queria apostar em compositores desconhecidos, o que de fato fez. O sucesso das músicas Como Nossos Pais (faixa de Falso Brilhante) e Romaria (do álbum Elis, de 1977) alavancaram a carreira de Belchior e Renato Teixeira respectivamente.

Milton Nascimento é outro nome que despontou graças a Elis. Essa foi uma característica muito marcante na trajetória da cantora: ter a mesma naturalidade ao transitar entre a nata da música e os artistas pouco conhecidos – dando visibilidade e prestígio a esse segundo grupo.

Elis Regina foi uma personalidade importante no combate à ditadura militar brasileira, posicionando-se conta o regime que assolou o país de 1964 a 1985. Só não foi presa ou exilada devido ao seu enorme reconhecimento.

Ela declarou em diversas entrevistas seu ponto de vista e optou por interpretar muitas canções que teciam críticas à ditadura.


Os amores de Elis

Elis Regina teve três filhos. O mais velho, fruto de seu casamento com Ronaldo Bôscoli, é o empresário e produtor musical João Marcelo Bôscoli, nascido em 1970.

Em 1970, deu à luz o único filho que teve com Ronaldo Bôscoli: João Marcelo. Ela viria a ter outros dois filhos, mas com o segundo marido.

A gravidez e o nascimento de João Marcelo foram muito difíceis. Desesperada por não produzir leite materno o suficiente e pelo fato de que o filho era alérgico ao leite de vaca, Elis pediu ajuda a outras mães através de programas de rádio.

O nascimento do primogênito também fez com que o casamento de Elis e Ronaldo ficasse ainda mais estremecido – ele era notoriamente infiel e ausente como pai. O casal se divorciou em 1971.

Pouco tempo depois, ela viria a se casar com o pianista César Camargo Mariano, com quem também teve uma extensa parceria profissional. Ao lado de César, Elis voltou a viver em São Paulo.

Do relacionamento com César Camargo Mariano nasceram Pedro Camargo Mariano, em 1975, em meio à agenda lotada de apresentações (Falso Brilhante ficou em cartaz até 1977), ela deu à luz seu segundo filho: Pedro Mariano. Um ano mais tarde, nascia Maria Rita, filha que Elis batizou em homenagem a Rita Lee, sua amiga desde 1970. Os dois também seguiram carreira musical. Em 1978, Elis Regina e Rita Lee gravaram juntas a música Doce de Pimenta – numa incomum parceria entre Elis e outra voz feminina.

No início dos anos 1980, Elis passou a exagerar no álcool e também a consumir cocaína. Essa fase conturbada fez com que seu segundo casamento também chegasse ao fim.

Algumas das música que fizeram grande sucesso na voz de Elis Regina, foram:



Como nossos pais (1976)

Como nossos pais é talvez o maior sucesso na carreira de Elis, foi gravada por ela em 1976, integrando o álbum Falso Brilhante. O autor da canção é o músico Belchior, que a gravou também em 1976 no disco Alucinação.

Essa música traz uma grande carga sentimental sobre o contexto da época, no auge da ditadura militar no Brasil. A letra também é carregada de um enfrentamento entre gerações, talvez por isso seja tão atual ainda hoje.



O bêbado e a equilibrista (1978)

Essa é uma composição de João Bosco e Aldir Blanc, feita em 1978. Elis a gravou em 1979 no disco Essa mulher, e a música foi a de maior sucesso do álbum. Com um forte apelo contra a ditadura, foi vista como um hino pelas liberdades e pela Anistia.



Águas de março (1974)

Águas de março é uma canção de Tom Jobim de 1972 que foi gravada por ele e Elis Regina no álbum Elis e Tom, de 1974. Confira a cantora em apresentação para o Programa Ensaio, da TV Cultura.


Dona de uma personalidade intensa

A cantora teve um vida bastante conturbada e faleceu precocemente, aos 36 anos, em decorrência de uma overdose.

Elis Regina morreu em 19 de janeiro de 1982 após ingerir álcool, cocaína e remédios tranquilizantes. Quem a encontrou desacordada, e a levou para o hospital, foi seu namorado na época, Samuel Mc Dowell.

O velório ocorreu no Teatro Bandeirantes, onde ela se apresentou no espetáculo Falso Brilhante. O sepultamento ocorreu no Cemitério do Morumbi, em São Paulo. A morte precoce da cantora foi um grande choque para o país.


Elis virou filme!


Em 2016 foi lançado o filme Elis, que retrata a vida da cantora. Dirigido por Hugo Prata, a produção traz a atriz Andreia Horta interpretando Elis Regina. A história narra a vida da cantora desde o começo da carreira até a sua trágica morte.



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